quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Ausência de mundo




A propósito de uma certa fotografia, publicada numa certa página de um certo livro recentemente editado, escola e arte à parte, à vingança contraponho a reconciliação e escrevo sobre o perdão, recuperando partes de um comentário que escrevi, na sequência de um bom texto sobre um bom filme, escrito por um bom amigo.

A vingança é uma resposta violenta, tão indesejável como previsível, que prolonga infinitamente a cadeia de acções/reacções que ela própria inicia, aprisionando executor e vítima ao invés de os libertar. O seu oposto é o perdão. Para Hannah Arendt, filósofa em quem me inspiro, “o perdão é a única reacção que não re-age apenas, mas age de novo, e inesperadamente, sem ser condicionada pelo acto que a provocou e de cujas consequências liberta tanto o que perdoa como o que é perdoado”. Associado ao perdão está necessariamente o reconhecimento da culpa, sempre pessoal e intransmissível, talvez a parte mais difícil de um litígio ou desentendimento.

O perdão liberta os homens daquilo que fizeram sem saber, permitindo-lhes um novo começo, uma nova ordem. Faz todo o sentido a expressão atribuída a Jesus: “perdoai-os Senhor, porque eles não sabem o que fazem”. Quando os homens sabem o que fazem, quando têm intencionalidade, não é possível o perdão mas apenas a reconciliação, por via da compreensão.

A faculdade de perdoar nasce de uma outra faculdade: o respeito. O respeito é dirigido a alguém que nos desperta consideração e amizade e vai para além das qualidades ou actos que esse alguém tenha praticado. O respeito é equiparado ao amor, quando falamos em perdão. Totalmente receptivos a quem alguém é, independentemente do que esse alguém fez.  Mas ao contrário do amor, tão privado e tão íntimo, a pessoa respeitada não precisa ser próxima ou íntima. O respeito acontece à distância, faz parte do mundo. 

Através do amor aprendemos o respeito, através da bondade aprendemos o perdão ou a reconciliação. Através do amor e da bondade, apre(e)ndemos o mundo. Pobres daqueles que não conhecem o amor ou a bondade. Não aprenderam o respeito ou o perdão. Vivem num mundo por si despersonalizado, sem identificação, sem distinção [deixo aqui uma pequena nota à autora: mencionar os nomes que nos antecedem não é apenas obrigatório, é, sobretudo, um testemunho da nossa elevação]. Estas pobres pessoas vivem um não-mundo. Para os seus actos, o nosso esforço de compreensão. 



fc/ago2014

(imagem adaptada de uma fotografia de Pedro Yglesias de Oliveira)

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