sexta-feira, 25 de março de 2022

Muitas



















É quando o caminho se estreita que todas as minhas pessoas, ou possibilidades, como quiserdes, se põem em sentido e acertam as suas diferenças. Espatifar-me no chão é que não. Às vezes, até dá para conhecer uma nova, por se agarrar ao corpo de forma diferente das demais. Até ali desconhecida, mas minha habitante longínqua, certamente. Faz-se notada e eu recebo-a. Sempre.


FC/março2022


quarta-feira, 23 de março de 2022

Ukrayina

 









https://www.rts.ch/info/monde/12959213-nous-essayons-de-bombarder-de-facon-tres-delicate-affirme-lambassadeur-russe-a-lonu.html


A actual invasão sangrenta da Ucrânia, com tudo o que de mau do séc. XX nos caiu no colo, fez-me mergulhar novamente no pensamento de Hannah Arendt e no que dela aprendi, em busca de suporte racional para compreender o que nos trouxe de novo aqui e encontrar alguma esperança que nos resgate.   

O embaixador russo Gennady Gatilov (ver vídeo) diz-nos que não estamos perante uma invasão de um país autónomo nem existe massacre de civis ou destruição de cidades, mas sim um combate aos neonazis ucranianos através de bombardeamentos delicados. O que é verdade e o que é mentira, teremos nós mesmos de aferir, rejeitando a manipulação política.  

A relação entre a verdade e a política foi alvo da atenção de Arendt que, na sequência da controvérsia que se seguiu à publicação do livro de Eichmann, escreveu o artigo Truth and Politics (1963), onde nos fala da vulnerabilidade das verdades de facto, muitas vezes interpretadas como opinião, outras, substituídas por uma mentira intencional.

As verdades de facto distinguem-se da opinião porque não se trata de concordar ou consentir com a verdade, que é um facto, mas a circunstância de necessitarem da confirmação de várias pessoas que testemunhem a sua veracidade torna-as permeáveis às opiniões. Neste processo de certificação, a forma como a verdade de facto é exposta ao público pode influenciar as opiniões e as opiniões podem embaciar o apuramento da verdade de facto e validar uma mentira. É uma pescadinha de rabo na boca, da qual os políticos estão perfeitamente conscientes.  

As tecnologias modernas de comunicação em massa facilitam a manipulação de factos e a fabricação de uma outra realidade, conveniente a alguns. No entanto, por muito elaborada que seja a mentira, a verdade de facto parece ter o poder de se insurgir, mais cedo ou mais tarde. Esta possibilidade está relacionada, por um lado, com a comunicação à escala mundial que permite o confronto das “verdades de facto” dos diferentes países, impedido que haja poderes suficientemente grandes que tornem a sua imagem “definitivamente mistificadora”. Por outro lado, a verdade de facto, por se referir aos factos, tem as suas raízes no passado, fora do alcance da mentira. Como os factos são irreversíveis, acabam por se impor no presente.

A mentira, quando se ocupa dos factos do passado, trata o passado e o presente a pensar no futuro, o que, em Arendt, significa que a esfera política fica sem acesso ao verdadeiro passado, que tem sempre um efeito estabilizador e, simultaneamente, sem acesso ao ponto a partir do qual poderia começar qualquer coisa de novo. Ou seja, a sua força assenta em pés de barro. Durará pouco, mas poderá destruir muito.

A única verdade sobre a qual podemos ter a certeza, diz-nos Arendt, é aquela que corresponde ao que não podemos mudar, ou seja, o solo sobre o qual nos mantemos e o céu que se estende por cima de nós. Para que não sejamos manipulados descaradamente por quem se suporta na mentira e justifica a guerra com a paz dos seus, estejamos atentos, procuremos elaborar a nossa opinião com a mesma cautela de quem ama. De quem ama o mundo.  

FC/23março2022


segunda-feira, 21 de março de 2022

Poesia

















Por decisão do poeta,

a poesia não tem dia

nem tem hora.

Antes, tem momento

e tem demora.


FC/21fev2022

Infinito inconsciente







 






A paixão é um arrebatamento quântico,
um arrojo do protão,
despudorada colisão,
iniciação.

O amor?
É o aconchego na insubstância do tempo, 
o toque,
o silêncio,
e a liberdade.

 

FC/21março2022 


quarta-feira, 16 de março de 2022

A Política em Hannah Arendt - O Ambiente, lugar por excelência do fenómeno político

 



Resumo

“O que estamos a fazer?” – questão que se coloca após tomarmos consciência que vivemos em colisão com o sistema ecológico do planeta. A mesma questão impôs-se a Hannah Arendt quando, na vivência dos tempos sombrios do século XX, verificou que a humanidade vivia em conflito consigo própria. Arendt é uma pensadora do começo. Neste contexto, e porque a crise ambiental é uma questão pública e política que se impõe, com Arendt procurámos o sentido das duas categorias, visando resgatar uma nova cidadania consciente da sua pertença ao mundos natural e humano, a partir da qual encontre uma via de recuperação dos mesmos. Assim, tendo por base a análise arendtiana da tripla dimensão da vita activa, labor, trabalho e acção, interpretámos o pensamento de Arendt sob duas perspectivas: na vertente política, porque encerra em si a possibilidade do novo e convoca a participação de todos, e na vertente ambiental, enquanto contexto promotor da acção política. Ambas revelam uma pensadora pioneira na interpretação da sociedade de risco e comprovam que a asfixia do planeta não é indiferente à crise civilizacional. The Human Condition (1958) é o livro de referência, embora toda a obra concorra para a tese que propomos: o Ambiente como lugar, por excelência, do fenómeno político. O cinema, enquanto arte política, tem aqui espaço. Surge através da interpretação dos filmes Notre Musique de Godard (2004) e An Inconvenient Truth de Al Gore (2006), que confirmam a actualidade do pensamento arendtiano e consolidam a nossa reflexão. Embora em contextos diferentes, estes autores partilham com Arendt o apelo ao regresso ao mundo e à Terra através da acção pública e política. Apelo que reforçamos.


Para aceder à dissertação: https://repositorio.ul.pt/handle/10451/3499


Defesa oral:










Fernanda Cunha / Lisboa 2007















FUCK WAR (II)













Zweig conta-nos a história da Europa através de pequenos episódios pessoais, pouco tempo antes de se suicidar, em 1942, no Brasil onde se encontrava exilado. "O mundo de ontem" é a autópsia de uma Europa morta pela segunda guerra mundial que importa ler, para compreender a condição humana, conhecer a história e ter presente o compromisso assumido pela Europa que renasceu daquelas cinzas e que agoniza agora, às mãos de um homem velho que se move por instintos egoístas e cruéis, sedento de poder e inchado com uma ideologia e uma pseudo-moral que não são aceitáveis à luz da democracia e da racionalidade e sensibilidade humanas.

fc/25fevereiro2022


FUCK WAR!

 


 


                    

Olivier Rolin conta-nos a história do ucraniano Alexei Feodossevitch Vangengheim, meteorologista e director do Serviço Hidrometeorológico da URSS (1929), acusado de sabotagem e deportado para as Solovki em 1934, de onde enviou herbários e desenhos educativos à sua filha, até ser morto. Um tempo e uma violência que julgávamos pertencer ao passado, mas afinal não.



Crime e Castigo, de Fiódor Dostoievski, é uma história de suspense, envolvida por teorias políticas e sociais da época, que nos transporta para os anos 60 do século XIX, em São Petersburgo. Raskolnikov constrói uma tese sobre os homens vulgares (que vivem em obediência à lei e respondem perante a sua consciência com penitências) e os invulgares (transgressores da lei, que destroem o presente em nome de algo melhor). Para estes últimos, como Napoleão, se for necessário matar em nome de uma ideia, podem faze-lo em consciência. Raskolnikov não queria ser um homem comum, atado a códigos morais num país imoral e prepara um crime, "quem for capaz de desprezar mais, terá mais razão do que todos", assim o diz. Obcecado pela sua própria fórmula de cidadania académica, o Raskolnikov viu nas pequenas coisas estímulos para matar. Depois do crime, o jovem adoece, vítima de causas morais. Não teve fuga ao seu próprio pensamento, à sua consciência. Assassino e testemunha numa pessoa só, arrasta-se ao longo das mais de quatrocentas páginas numa solidão insuportável, até à redenção no final. Quanto aos homens invulgares, Raskolnikov concluiu:

"Não, esses homens não são assim feitos; o verdadeiro soberano, a quem tudo é permitido, arrasa Toulon, faz uma carnificina em Paris, esquece o exercito no Egipto, gasta meio milhão de homens em campanha de Moscovo e sai-se com um trocadilho em Vilna; e erguem-lhe monumentos depois da morte, e portanto, tudo é permitido. Não, esses homens, pelos vistos, não são de carne mas de bronze".


FC/fev2022

 













O tempo confinado fica líquido e bebe-se.

FC/21janeiro2021