Habitamos a fenda onde se tocam todos os opostos e de onde nos vem o desejo e o ensejo de vivemos na urgência de dar corpo à alma, numa conformidade a fins sem fins, apenas porque sim.
FC/26maio2022
Habitamos a fenda onde se tocam todos os opostos e de onde nos vem o desejo e o ensejo de vivemos na urgência de dar corpo à alma, numa conformidade a fins sem fins, apenas porque sim.
FC/26maio2022
FC/maio2022
O ciclo de conferências “Políticas da
Estética: O Futuro do Sensível”, que decorre no CCB, apresentou hoje Catherine
Larrère e a questão sobre a existência de uma estética da natureza. A oradora colocou-nos, no início da sua palestra, na segunda metade do século XIX e iniciou a
viagem pela motivação estética da natureza em artistas franceses e americanos de
então e pelo contributo da sua arte para a ideia de protecção da natureza, na altura olhada pelo prisma estético do sublime e do pitoresco, com apelo às emoções. A arte destacava a beleza da
paisagem e isso impeliu-nos à sua protecção.
A palestra de Catherine Larrère continha
várias questões: A que chamamos belo quando falamos da natureza? Necessitamos
dos artistas para captar o belo da natureza? Não será esta visão artística da paisagem
(uma natureza ao longe) uma mediação redutora e antropocêntrica, como afirmaram
algumas das vozes ecologistas de então? Sobrevive a estética da natureza a um
varrimento científico? Se suprimirmos a mediação artística, o que acontece à
estética da natureza?
Catherine citou Georges Sand: «Tout le monde a droit à la
beauté et à la poésie de nos forêts» (1872). Georges Sand referia-se à floresta
de Fontainebleau: «… qui est une de belles choses du monde, et la detruire
serait, dans l’ordre moral, une spoliation, un attentat vraiment sauvage à ce
droit de propriété intellectuelle qui fait de celui qui n’a rien que la vue des
belles choses, l’égal, quelquefois supérieur de celui qui les possède». Um exemplo de emancipação social através da ecologia, mas isso são outros
assuntos, regressemos ao Belo.
Aldo Leopold, um dos precursores da ética ambiental, veio à cena, trazendo consigo em simultâneo uma visão moral e ecológica sobre a natureza: «Une chose est juste lorsqu'elle tend à préserver l'intégrité, la stabilité et la beauté de la communauté biotique. Elle est injuste lorsqu'elle tend à l'inverse». Para Leopold, o olhar artístico dá à natureza uma beleza que não é a sua, ou seja, a natureza brilha com uma luz emprestada pelo artista plástico. Mais importante é a beleza autónoma da natureza, que Leopold afirma existir. Mas como chegar a ela?
Catherine apresentou-nos Ronald Hepburn, para quem estética e arte são sinónimos; Allen Carson, que defende que só é possível apreciar a beleza da natureza com conhecimento científico; Arnold Berleant, que trouxe a dimensão do sensível, a importância de mobiliar todos os sentidos e estar dentro da natureza, dentro da paisagem. Trouxe também Merleu-Ponty, Richard Long e Timothy Morton. Este último com a questão «Poderá haver uma ecologia sem natureza?». Mergulhámos na arte oriental e na neblina que esconde a montanha feita de arranha-céus, como se pode ver no quadro de Yang Yongliang. Ali nada é natural, mas o quadro é de uma beleza impressionante. A não-natureza a ser igualmente bela.
No final, pudemos ver alguns exemplos de Art/Land, um movimento artístico que utiliza matérias naturais, transformando-as em peças de arte, promovendo uma relação próxima com as coisas da natureza. Uma mediação artística que olha a natureza por dentro, com olhos de ver e sentir.
O sublime, a veneração, a virilidade, o temor já não existem na natureza, temos de a olhar e ver de outra forma. Na vida comum há muita natureza e é preciso aprender a sentir essa natureza, disse-nos Catherine. A estética é uma forma de pensarmos e nos situarmos no mundo de forma diferente. Mobilizarmos a imaginação que alimenta a arte tornou-se mais importante que nunca. Precisamos aproximarmo-nos da natureza e sermos um pouco como os povos indígenas que ainda sobrevivem e para quem a natureza não é objecto mas sim sujeito. A frase mais marcante de uma outra conferência em que participei, a 23.ª SBSTTA da Convenção sobre a Biodiversidade (Novembro de 2019, em Montreal), foi dita por uma representante do povo Inuit, do Ártico:
«We respect the animals. We follow the animals, we follow the weather … we don’t try to control them», Utqiagvik Elder.
Estarei novamente a afastar-me do tema? Não. Estética, arte e também natureza talvez sejam a mesma coisa.
De mim partiste para a mim chegares, num 10 de Maio inicial,
inteiro e limpo, lembrando a liberdade de Sophia. Chamei-te Catarina, o nome do
meu ninho, feito de amor. Sem rede ou livro de instruções, fizemo-nos ao
caminho. Passo a passo, mão na mão, abraço a abraço, falhando cada vez melhor. És
agora todos os géneros literários, com luz própria, num mundo ainda por conquistar.
FC/Maio2022
Em 48 anos de democracia portuguesa, o mundo girou e o país girou com ele, mas nem por cá nem pelo mundo se conquistou a maturidade política. Continuamos serviçais de uma política de trazer por casa, baseada na resolução das necessidades de alguns (o dono da casa) e não no cumprimento das liberdades de todos. No banco dos nus continuamos, a taparmo-nos cada um com a sua firmeza ou com a ausência dela, a arrastarmo-nos pela esfera pública qual animal laborans, inaptos na palavra e na acção, mas eficientes no labor, ou seja, no metabolismo de sobrevivência. Indiferentes ao mundo, fomos facilmente manipulados e o trabalho perdeu todo o conceito que o dignificava. Viva o 1º de Maio!
Ao longo dos anos e à vista de todos, os objectos de uso, por princípio duráveis no tempo, passaram a ser vistos como bens de consumo vital, perecíveis e rapidamente consumidos. Como consequência, a instrumentalidade da fabricação transformou-se na intrumentalização ilimitada de tudo o que existe. Toca a produzir, consumir, devorar e deitar fora as nossas casas, as nossas roupas, móveis, telemóveis, carros, tudo. Trabalhemos na base do Efémero, construindo o Supérfluo, assim ordena o bicho. Viva o 1º de Maio!
Já vai longe a luta pelas oito horas e o grito pelo direito ao trabalho. Também as palavras foram instrumentalizadas. A única coisa levada em conta, e em boa conta, é o processo laboral de produção e consumo, o garante dos libidinosos oligocratas. Vamos lá fazendo festas e romarias e inventando necessidades, que eles (nós) nem se dão conta. Viva o 1º de Maio!