O pintor tem acesso à textura invisível do mundo através do
seu corpo, capaz de escapar, sem pudor, às linhas do eixo cartesiano, libertando-se
de convenções, conceitos e juízos. São as coisas que o olham, quando ele olha
as coisas. Um corpo em diálogo, com um alcance angular de 360º, não só em torno
de si mesmo como para dentro de si, um casamento perfeito entre o sensível
(alma) e o inteligível (espírito). Diz-nos Cézanne que o olhar do pintor vai
até às «próprias raízes do Ser, na fonte impalpável das sensações». Diz-nos
Merleu-Ponty que sentir e transmitir o espaço e a luz é a filosofia que anima o
pintor quando ele pensa pictoricamente, isto é, «quando da sua visão se faz
gesto», sem intenção à partida nem pretensão à chegada. A pintura é pensamento
sem conceito, é pensamento livre, é um nascer continuado. E nós, que olhamos o
quadro do pintor com uma pele diferente? Conseguiremos nós atingir a mesma luz?