A Lei do Mercado (2015),La loi du marché (original title)
De
Stéphane Brizé
Com
Vincent Lindon, Karine de Mirbeck, Matthieu Schaller
FRA, 2015, Cores, 93 min
O filme «A Lei do Mercado», de Stéphane Brizé, oferece-nos uma
imagem do mundo actual, a partir de fragmentos da vida de um homem comum. Ao
individualizar a história através de uma proximidade quase intimista e tão
perfeitamente estética com a personagem principal, o autor universaliza. Somos cada um de nós, ali, confirmado pela presença de actores não-actores que participam no
filme e lhe conferem uma dimensão real. É um filme-documentário do nosso mundo, da
nossa vida. É o nosso filme.
Thierry, interpretado pelo extraordinário Vincent Lindon,
tem 50 anos, é casado, tem um filho adolescente com paralisia cerebral, está desempregado,
desiludido, angustiado, derrotado, porém, moralmente resistente e socialmente resiliente.
Tem o apoio afectivo e efectivo da mulher, personagem interpretada por Karine de Mirbeck, e
a alegria do filho Mattthieu, jovem aspirante a biólogo, interpretado por
Matthieu Schaller. A esfera privada mantém-se harmoniosa, apesar de todas as
ameaças financeiras exteriores. Há intimidade e solidariedade, projectos em
comum. É o nicho da resistência.
Thierry vive uma crescente perda do mundo, onde a vacuidade
de uma linguagem híbrida, entre a pseudo-moral e as noções-básicas-de-economia, inadequada à expressão normal da fala e do raciocínio,
anula a força dos valores absolutos e universais da sociedade (como por exemplo,
o bem e o mal) e o valor intrínseco das coisas e dos objectos. Tudo é
vulnerável, de acordo com a relatividade das relações sociais e do comércio, bem conduzida
pela Lei do Mercado.
O centro de emprego, os cursos de formação e as reuniões
sindicais por onde Thierry passa, não oferecem respostas. São lugares
corrompidos pelos valores do mercado, utilizando as pessoas como objecto de
troca comercial. E quanto maior for o número de trocas, maior será a acumulação
de riqueza. Eis a Lei Fundamental do Mercado, que vem substituir a burocracia
na sua bem sucedida tarefa de incluir no sistema totalitário tudo o que é
individual, anulando-o.
No filme não há pessoas boas ou más, apenas pessoas comuns.
Porém, pressentimos um mal que se desenvolve até extremos inaceitáveis e se
alastra como se fosse uma praga incontrolável, contagiando trabalhadores,
empregadores e consumidores, as categorias actuais mais proeminentes na
sociedade. Estão criadas as condições para a prática da banalidade do mal, não
sob a forma violenta que assistimos na Europa do século XX, mas numa outra
forma ainda por definir, que empurra os homens para níveis próximos da
animalidade, onde se limitam apenas à imperiosa necessidade de garantir a
própria sobrevivência.
Os homens vivem perdidos
numa solidão organizada das massas, esmagados pela roda dentada do trabalho e
do consumo, conformados perante o gigantismo das administrações que comandam a
sua existência. Mudos, sem Verbo. Não os move a paixão ou o ódio, próprios da
vida em comum. Apenas o medo de perder o emprego.
O que o filme de Stéphane Brizé nos mostra, para além do
jogo perverso do mercado do trabalho, é a capacidade humana de ajuizar e
decidir, ainda que em circunstâncias difíceis. Thierry fá-lo ao longo do filme,
bem visível na expressão do seu olhar, enquanto vai correspondendo às propostas
dos empregadores. No final do filme, perante uma situação-limite moral, Thierry
reage em conformidade com o seu carácter, ou seja, age, pois recupera a autoria
das suas acções. Sairá derrotado? É a pergunta que fica no ar.
Uma nota final: o filme foi feito com um orçamento baixo, de
modo a que os eventuais lucros fossem condignamente divididos por toda a
equipa. Sem ordenado para o realizador e actor principal, sem iluminação e sem
maquilhador, entre outras poupanças.Uma verdadeira economia financeira sem contenção moral, que impregnou
o filme com uma aisthésis
particularmente bela. A fotografia é de Éric Dumont. Terão, por isso, saídos derrotados?
FC/Maio2016
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