quarta-feira, 4 de maio de 2016

A Lei de Thierry















A Lei do Mercado (2015),La loi du marché (original title)
De Stéphane Brizé
Com Vincent Lindon, Karine de Mirbeck, Matthieu Schaller
FRA, 2015, Cores, 93 min




O filme «A Lei do Mercado», de Stéphane Brizé, oferece-nos uma imagem do mundo actual, a partir de fragmentos da vida de um homem comum. Ao individualizar a história através de uma proximidade quase intimista e tão perfeitamente estética com a personagem principal, o autor universaliza. Somos cada um de nós, ali, confirmado pela presença de actores não-actores que participam no filme e lhe conferem uma dimensão real. É um filme-documentário do nosso mundo, da nossa vida. É o nosso filme.

Thierry, interpretado pelo extraordinário Vincent Lindon, tem 50 anos, é casado, tem um filho adolescente com paralisia cerebral, está desempregado, desiludido, angustiado, derrotado, porém, moralmente resistente e socialmente resiliente. Tem o apoio afectivo e efectivo da mulher, personagem interpretada por Karine de Mirbeck, e a alegria do filho Mattthieu, jovem aspirante a biólogo, interpretado por Matthieu Schaller. A esfera privada mantém-se harmoniosa, apesar de todas as ameaças financeiras exteriores. Há intimidade e solidariedade, projectos em comum. É o nicho da resistência.

Thierry vive uma crescente perda do mundo, onde a vacuidade de uma linguagem híbrida, entre a pseudo-moral e as noções-básicas-de-economia, inadequada à expressão normal da fala e do raciocínio, anula a força dos valores absolutos e universais da sociedade (como por exemplo, o bem e o mal) e o valor intrínseco das coisas e dos objectos. Tudo é vulnerável, de acordo com a relatividade das relações sociais e do comércio, bem conduzida pela Lei do Mercado.

O centro de emprego, os cursos de formação e as reuniões sindicais por onde Thierry passa, não oferecem respostas. São lugares corrompidos pelos valores do mercado, utilizando as pessoas como objecto de troca comercial. E quanto maior for o número de trocas, maior será a acumulação de riqueza. Eis a Lei Fundamental do Mercado, que vem substituir a burocracia na sua bem sucedida tarefa de incluir no sistema totalitário tudo o que é individual, anulando-o.

No filme não há pessoas boas ou más, apenas pessoas comuns. Porém, pressentimos um mal que se desenvolve até extremos inaceitáveis e se alastra como se fosse uma praga incontrolável, contagiando trabalhadores, empregadores e consumidores, as categorias actuais mais proeminentes na sociedade. Estão criadas as condições para a prática da banalidade do mal, não sob a forma violenta que assistimos na Europa do século XX, mas numa outra forma ainda por definir, que empurra os homens para níveis próximos da animalidade, onde se limitam apenas à imperiosa necessidade de garantir a própria sobrevivência.

Os homens vivem perdidos numa solidão organizada das massas, esmagados pela roda dentada do trabalho e do consumo, conformados perante o gigantismo das administrações que comandam a sua existência. Mudos, sem Verbo. Não os move a paixão ou o ódio, próprios da vida em comum. Apenas o medo de perder o emprego.

O que o filme de Stéphane Brizé nos mostra, para além do jogo perverso do mercado do trabalho, é a capacidade humana de ajuizar e decidir, ainda que em circunstâncias difíceis. Thierry fá-lo ao longo do filme, bem visível na expressão do seu olhar, enquanto vai correspondendo às propostas dos empregadores. No final do filme, perante uma situação-limite moral, Thierry reage em conformidade com o seu carácter, ou seja, age, pois recupera a autoria das suas acções. Sairá derrotado? É a pergunta que fica no ar.

Uma nota final: o filme foi feito com um orçamento baixo, de modo a que os eventuais lucros fossem condignamente divididos por toda a equipa. Sem ordenado para o realizador e actor principal, sem iluminação e sem maquilhador, entre outras poupanças.Uma verdadeira economia financeira sem contenção moral, que impregnou o filme com uma aisthésis particularmente bela. A fotografia é de Éric Dumont. Terão, por isso, saídos derrotados? 


FC/Maio2016



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