(ler devagar, se a noite
for longa)
Adentra-se a noite
através da linfa.
Alcalina e salgada,
contorna os ossos,
trespassa os músculos,
preenche o miocárdio.
Não trouxe imunidade,
antes pelo contrário.
Visita os órgãos,
um a um.
Confirma a vitalidade,
obriga à intimidade.
Demora-se no cérebro,
em cada electrão.
Percorre-lhe as metáforas,
não faz excepção.
Nega o sono,
a lucidez.
Nem todos os gatos são pardos.
Estremeço.
Procuro posição.
Não adianta.
Estão desalinhados os tempos
e as distâncias.
Em desespero, fujo
para o antes de
mim.
Estou além-horizonte,
em lugar nenhum.
Falham-me os sentidos,
abandono-me à desordem.
Esvazio-me.
Será isto a paixão?
Tenho a noite dentro de mim.
Não traz respostas
nem esconde mistérios.
Vejo-me criança
Quero gritar ao mundo
que não tenho a força de Cristo.
Sou apenas um número
na repartição das finanças.
Se primitiva é noite,
sem régua nem ponteiros,
derivado é o dia,
onde o mundo é revolução,
medição, mediação.
Aguardo a madrugada de Sofia,
para tornar a habitar
a «substância do tempo».
Fernanda
Cunha/Outubro2017
imagem: «Tide up in Sangatte» , de Kasra Emampour
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