quarta-feira, 13 de julho de 2022

Epifanias estéticas / Jean-Marie Schaeffer












Jean-Marie Schaeffer trouxe ao CCB uma reflexão sobre a experiência estética enquanto forma de estar no mundo. Falou-nos dos sentidos e sobretudo da atenção estética, que nos permitem explorar activa e conscientemente a informação e os estímulos que nos rodeiam com maior profundidade e, porventura, atingir momentos de revelação ou, como lhes chamou, epifanias estéticas. Para o pensador francês, a experiência estética aumenta a realidade da vida real. Eis um breve resumo.
A atenção é a acção consciente de concentração mental sobre determinado objecto ou informação que nos chega do exterior ou do interior. Na sua apresentação, Schaeffer distinguiu a atenção estética da atenção comum pela importância que cada uma atribui à coisa observada. Na atenção estética existe um tratamento descendente, significando isto que a atenção desce ao pormenor, dando-lhe a máxima prioridade. No caso da atenção comum, a apreciação é ascendente, ou seja, a atenção dispersa-se sobre o global onde o pormenor está inserido, muitas vezes um todo monofórmico já conhecido que mascara a manifestação real do pormenor, em relação ao qual passa a haver desatenção.
Schaeffer referiu dois estilos de atenção: a convergente, que procura rapidamente uma crença ou uma verdade; e a divergente, que se apoia na atenção descendente e na categorização adiada. A categorização adiada corresponde a uma procura sem conclusão, onde o meio é o próprio fim. Não se trata de economia de tratamento de informação, mas sim de uma viagem da mente em busca de si própria, sempre em exercício de desenvolvimento e de liberdade. Esta viagem requer tempo, por isso é importante aprender a ser lento, e requer também uma relação estética e polimórfica com as coisas. Só assim será possível descobrir o que já existe mas que ainda não havíamos visto. A atenção divergente parte em busca e usufrui do novo, sem categorizar ou concluir. É como se viajássemos por dentro dos livros, dos quadros ou dos sons em busca de coisas novas, daquilo que ainda não se conhece, estimulando com a novidade redes de neurónio que se reorganizam em novas cadeias de informação, numa espécie de aprendizagem permanente.
A experiência estética pode ter uma dimensão funcional se se integrar numa experiência mais global, para através dela atingir outra função. Schaeffer deu vários exemplos, um deles foi a cerimónia do chá no Japão, considerada uma arte canónica. Desde a arquitetura da casa até à chávena de chá, tudo tem um sentido estético com efeito social e global.
A experiência estética também se encontra nas epifanias, que são manifestações de transcendência no nosso mundo. Há quem defenda que o mundo transcendente é que é o verdadeiro, veja-se a verdade poética, por exemplo. Na epifania, a experiência estética é mais concentrada no tempo, mas o processo é o mesmo. Aliás, há um jogo entre ambas, pois o movimento que irradia da epifania vai afectar o ritmo e os fluxos da experiência estética, à semelhança do músculo cardíaco em relação à vida.
A relação estética é natural nos artistas, por terem uma mente descendente e divergente, por serem capazes de deliciar-se com o próprio processo criativo, com a forma como desliza a mão sobre a tela, sobre a escultura, sobre o texto, sobre o instrumento musical ou mesmo sobre a máquina fotográfica. A boa notícia dada por Schaeffer é a de que a atitude estética está ao alcance de todos nós e pode aprender-se ou reaprender-se. Para isso, basta despragmatizar, criar bolhas no interior das actividades quotidianas, rejeitar a pressa, a alienação das massas, reparar nos pormenores das coisas, escutar-se a si próprio e deixar-se ir em busca da sua própria autenticidade.
FC/Junho2022




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