"Tár" é o último filme de Todd Field, com Cate Blanchett a dar corpo à personagem principal e um forte elenco de actores secundários, dos quais destaco Nina Hoss. A história está centrada numa única personagem, Lydia Tár, a primeira mulher a ocupar o lugar de maestro na Orquestra Filarmónica de Berlim. Tár prepara-se para a gravação ao vivo da Sinfonia n.º 5 de Gustav Mahler (aqui, somos esmagados pela música), lançará em breve um livro sobre si e encontra-se em processo de criação de uma obra musical que dedicará à filha. Uma mulher de sucesso, com controle sobre todos os aspectos da sua vida, poder sobre os demais, fama e reconhecimento; e que não esquece a sua caixa de comprimidos. Assim começa e se demora o filme, que não tem a ver com a homossexualidade, naturalmente assumida por Tár e aceite por todos, nem com a igualdade de género em posições de liderança, uma vez que a qualidade do seu trabalho como maestrina é indiscutível.
Com uma sensibilidade particular aos sons, Tár destacou-se na área da música erudita desde muito cedo, quando ainda vivia na sua distante e indistinta América. O esforço que colocou na ascensão ao palanque, ao qual sobe com enorme tensão quando se trata de espectáculos e com enorme determinação quando se trata de ensaios, é proporcional ao acto enlouquecido de derrubar o colega que a irá substituir. Não a ouvimos tocar para além de algumas breves notas no piano, tropeçando sempre na mesma, ao longo do filme. A criatividade parece não lhe ser fácil. A forma como dispõe das pessoas, inclusive da sua parceira, é calculada e fria, revelando um carácter premeditado, ambicioso, focado e desapaixonado.
E é precisamente aqui que se abre espaço para o que é central neste filme: o poder, a prepotência e a volatilidade de ambos quando se confrontam com outros poderes, nomeadamente os poderes da moral, com letra de lei e escândalo público, quando se vê a braços com o suicídio de uma jovem; e da paixão (ou simples desejo sexual ou talvez apenas a vontade de dominar, tudo aqui é hipótese) por uma jovem, da qual não consegue obter sequer um abraço.
Mas Todd
Field dá-nos outros temas para pensarmos. Por exemplo, a questão do tempo (a
cadência e o ritmo) enquanto "ponto fulcral da interpretação" na
música, como nos explicará Tár, alargado a toda a arte; na esteira desta
reflexão, a questão da relação da arte com a moral; ou mesmo o que nos pode
trazer o novo mundo, com as orquestras reduzidas a bandas sonoras de
videojogos, como vemos no final do filme.
De Cate Blanchett, a confirmação de que é uma das mais
extraordinárias actrizes do nosso tempo. Da compositora islandesa Hildur
Guðnadóttir, a grandiosidade da banda sonora.
fc/fev2023
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