terça-feira, 26 de abril de 2022

O artesão da luz

 













O pintor tem acesso à textura invisível do mundo através do seu corpo, capaz de escapar, sem pudor, às linhas do eixo cartesiano, libertando-se de convenções, conceitos e juízos. São as coisas que o olham, quando ele olha as coisas. Um corpo em diálogo, com um alcance angular de 360º, não só em torno de si mesmo como para dentro de si, um casamento perfeito entre o sensível (alma) e o inteligível (espírito). Diz-nos Cézanne que o olhar do pintor vai até às «próprias raízes do Ser, na fonte impalpável das sensações». Diz-nos Merleu-Ponty que sentir e transmitir o espaço e a luz é a filosofia que anima o pintor quando ele pensa pictoricamente, isto é, «quando da sua visão se faz gesto», sem intenção à partida nem pretensão à chegada. A pintura é pensamento sem conceito, é pensamento livre, é um nascer continuado. E nós, que olhamos o quadro do pintor com uma pele diferente? Conseguiremos nós atingir a mesma luz?  

FC/26Abril2022

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