É doloroso ver homens crescidos a justificar a política com
estados de alma, a enrolar verbos e advérbios vazios de sentido, a contar histórias
da carochinha e do lobo mau, a esperar que os seus opositores não lhe façam
oposição, a exigir humildade de todos os que o rodeiam, a considerar-se a prima donna de uma ópera muda.
A casca
de ovo que finge ter enfiada até às orelhas impede Passos Coelho de olhar o
mundo com olhos de gente crescida. Já passaram 11 dias da sua vitória e o homem
permanece espantado, a olhar para António Costa em modo político. Não lhe havia
passado pela cabeça recolher os apoios que faltavam à consolidação da sua vitória
relativa nem imaginava que os outros se atrevessem a fazê-lo. Na sua fé, acredita
(tem a certeza) que o Pai Cavaco o protegerá. E assim será. Por isso, espera.
Voltemos um pouco atrás, para compreender melhor. A campanha
de Coelho foi centrada (até à última célula) no ataque a António Costa, como se
este fosse o primeiro- ministro de um governo a abater. De si, deu a conhecer a
vontade de ter o avião que passava no céu, a resposta do pai querido, a fé
guardada em forma de crucifixo no bolso das calças (talvez no direito, que
estas coisas estavam milimetricamente estudadas), e outras coisas de cariz
pessoal, ele próprio, fascinado consigo mesmo. Contagiante. Um Calimero galã. Ganhou,
celebrou e acordou tarde do seu auto-fascínio, repetindo: Costa, Costa, Costa… e
gemendo "mas eu é que ganhei as eleições, c’est
pas ma faute! Pai! Pai! Pai! Onde estás?". Nem queria acreditar no pesadelo.
Mas de que finge espantar-se Coelho? Lembrando 2011, o PSD para governar com maioria absoluta, teve
de coligar-se ao CDS após eleições. Tal facto não suscitou dúvidas. Era costume fazer-se isso, nos vencedores minoritários, e Coelho não se esqueceu de o fazer. Haveria que reforçar a força (passo a expressão), porque forças
são forças e ganha a maior. Agora, em 2015, os mesmos actores (PSD e CDS) não aceitam a outra coligação pós-eleitoral. Estranham-na, dizem-na imoral. Mas para azar dos azares, a democracia confere-lhe legitimidade, como veremos adiante. E não se preocupem as comadres com as ditas traições internas aos
princípios alheios, referindo-se aos valores políticos que são defendidos em cada
um dos partidos de esquerda, excluindo desta o PS. Senhoras comadres, não há ruptura, há consenso. E consenso é Política. Política à séria.
Fere-se a democracia com tal arrojo de Costa, dizem. Vamos então à democracia. Cada voto, considerando que é pessoal, livre (porque secreto) e intransmissível, tem igual valor democrático na eleição de cada deputado. Cada deputado eleito tem, deste modo, igual valor democrático na Assembleia da República. Cada deputado representa um partido. Cada partido representado terá a força do número de deputados que elegeu. Quais são os números? Vejamos… PSD=89, PS=86, CDU=19, CDS=18,
BE=17, PAN=1. Como o PSD e o CDS concorreram coligados, PAF=107; PS/CDU/BE = 122. Olha! 122 é maior que 107. Eis a maioria. A maioria dos
portugueses.
Forças são forças e ganharia a maior, não fosse, claro está,
o cidadão mais apolítico de todos, de seu nome Cavaco, infelizmente presidente
desta república. A democracia passa-lhe ao lado, pois como sempre afirmou, "não se deixa influenciar por nada". Esquecido o povo, tudo se limitará às conversas entre esquerda e direita
(contentes estão os opinion makers).
Curiosa
a força actual das duas expressões recuperadas do passado. Esquerda e direita a
confirmar que se evoluiu pouco. Talvez Portugal, país que em muitas coisas é de
vanguarda, venha demonstrar que a esquerda e a direita foram ultrapassadas por
uma nova ordem. Houvesse coragem de experimentar o novo.
FC/15Outubro2015
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