quinta-feira, 15 de outubro de 2015

O rapaz que finge tão completamente que chega a fingir que é ingénua a ingenuidade que deveras sente.















É doloroso ver homens crescidos a justificar a política com estados de alma, a enrolar verbos e advérbios vazios de sentido, a contar histórias da carochinha e do lobo mau, a esperar que os seus opositores não lhe façam oposição, a exigir humildade de todos os que o rodeiam, a considerar-se a prima donna de uma ópera muda. 

A casca de ovo que finge ter enfiada até às orelhas impede Passos Coelho de olhar o mundo com olhos de gente crescida. Já passaram 11 dias da sua vitória e o homem permanece espantado, a olhar para António Costa em modo político. Não lhe havia passado pela cabeça recolher os apoios que faltavam à consolidação da sua vitória relativa nem imaginava que os outros se atrevessem a fazê-lo. Na sua fé, acredita (tem a certeza) que o Pai Cavaco o protegerá. E assim será. Por isso, espera.

Voltemos um pouco atrás, para compreender melhor. A campanha de Coelho foi centrada (até à última célula) no ataque a António Costa, como se este fosse o primeiro- ministro de um governo a abater. De si, deu a conhecer a vontade de ter o avião que passava no céu, a resposta do pai querido, a fé guardada em forma de crucifixo no bolso das calças (talvez no direito, que estas coisas estavam milimetricamente estudadas), e outras coisas de cariz pessoal, ele próprio, fascinado consigo mesmo. Contagiante. Um Calimero galã. Ganhou, celebrou e acordou tarde do seu auto-fascínio, repetindo: Costa, Costa, Costa… e gemendo "mas eu é que ganhei as eleições, c’est pas ma faute! Pai! Pai! Pai! Onde estás?". Nem queria acreditar no pesadelo. 

Mas de que finge espantar-se Coelho? Lembrando 2011, o PSD para governar com maioria absoluta, teve de coligar-se ao CDS após eleições. Tal facto não suscitou dúvidas. Era costume fazer-se isso, nos vencedores minoritários, e Coelho não se esqueceu de o fazer. Haveria que reforçar a força (passo a expressão), porque forças são forças e ganha a maior. Agora, em 2015, os mesmos actores (PSD e CDS) não aceitam a outra coligação pós-eleitoral. Estranham-na, dizem-na imoral. Mas para azar dos azares, a democracia confere-lhe legitimidade, como veremos adiante. E não se preocupem as comadres com as ditas traições internas aos princípios alheios, referindo-se aos valores políticos que são defendidos em cada um dos partidos de esquerda, excluindo desta o PS. Senhoras comadres, não há ruptura, há consenso. E consenso é Política. Política à séria. 

Fere-se a democracia com tal arrojo de Costa, dizem. Vamos então à democracia. Cada voto, considerando que é pessoal, livre (porque secreto) e intransmissível, tem igual valor democrático na eleição de cada deputado. Cada deputado eleito tem, deste modo, igual valor democrático na Assembleia da República. Cada deputado representa um partido. Cada partido representado terá a força do número de deputados que elegeu. Quais são os números? Vejamos… PSD=89, PS=86, CDU=19, CDS=18, BE=17, PAN=1. Como o PSD e o CDS concorreram coligados, PAF=107; PS/CDU/BE  = 122. Olha! 122 é maior que 107. Eis a maioria. A maioria dos portugueses.

Forças são forças e ganharia a maior, não fosse, claro está, o cidadão mais apolítico de todos, de seu nome Cavaco, infelizmente presidente desta república. A democracia passa-lhe ao lado, pois como sempre afirmou, "não se deixa influenciar por nada". Esquecido o povo, tudo se limitará às conversas entre esquerda e direita (contentes estão os opinion makers). 

Curiosa a força actual das duas expressões recuperadas do passado. Esquerda e direita a confirmar que se evoluiu pouco. Talvez Portugal, país que em muitas coisas é de vanguarda, venha demonstrar que a esquerda e a direita foram ultrapassadas por uma nova ordem. Houvesse coragem de experimentar o novo.  


FC/15Outubro2015

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