sexta-feira, 13 de maio de 2022

«Será que existe uma estética da natureza?»

 


























O ciclo de conferências “Políticas da Estética: O Futuro do Sensível”, que decorre no CCB, apresentou hoje Catherine Larrère e a questão sobre a existência de uma estética da natureza. A oradora colocou-nos, no início da sua palestra, na segunda metade do século XIX e iniciou a viagem pela motivação estética da natureza em artistas franceses e americanos de então e pelo contributo da sua arte para a ideia de protecção da natureza, na altura olhada pelo prisma estético do sublime e do pitoresco, com apelo às emoções. A arte destacava a beleza da paisagem e isso impeliu-nos à sua protecção.

A palestra de Catherine Larrère continha várias questões: A que chamamos belo quando falamos da natureza? Necessitamos dos artistas para captar o belo da natureza? Não será esta visão artística da paisagem (uma natureza ao longe) uma mediação redutora e antropocêntrica, como afirmaram algumas das vozes ecologistas de então? Sobrevive a estética da natureza a um varrimento científico? Se suprimirmos a mediação artística, o que acontece à estética da natureza? 

Catherine citou Georges Sand: «Tout le monde a droit à la beauté et à la poésie de nos forêts» (1872). Georges Sand referia-se à floresta de Fontainebleau: «… qui est une de belles choses du monde, et la detruire serait, dans l’ordre moral, une spoliation, un attentat vraiment sauvage à ce droit de propriété intellectuelle qui fait de celui qui n’a rien que la vue des belles choses, l’égal, quelquefois supérieur de celui qui les possède». Um exemplo de emancipação social através da ecologia, mas isso são outros assuntos, regressemos ao Belo.

Aldo Leopold, um dos precursores da ética ambiental, veio à cena, trazendo consigo em simultâneo uma visão moral e ecológica sobre a natureza: «Une chose est juste lorsqu'elle tend à préserver l'intégrité, la stabilité et la beauté de la communauté biotique. Elle est injuste lorsqu'elle tend à l'inverse». Para Leopold, o olhar artístico dá à natureza uma beleza que não é a sua, ou seja, a natureza brilha com uma luz emprestada pelo artista plástico. Mais importante é a beleza autónoma da natureza, que Leopold afirma existir. Mas como chegar a ela?

Catherine apresentou-nos Ronald Hepburn, para quem estética e arte são sinónimos; Allen Carson, que defende que só é possível apreciar a beleza da natureza com conhecimento científico; Arnold Berleant, que trouxe a dimensão do sensível, a importância de mobiliar todos os sentidos e estar dentro da natureza, dentro da paisagem. Trouxe também Merleu-Ponty, Richard Long e Timothy Morton. Este último com a questão «Poderá haver uma ecologia sem natureza?». Mergulhámos na arte oriental e na neblina que esconde a montanha feita de arranha-céus, como se pode ver no quadro de Yang Yongliang.  Ali nada é natural, mas o quadro é de uma beleza impressionante. A não-natureza a ser igualmente bela. 

No final, pudemos ver alguns exemplos de Art/Land, um movimento artístico que utiliza matérias naturais, transformando-as em peças de arte, promovendo uma relação próxima com as coisas da natureza. Uma mediação artística que olha a natureza por dentro, com olhos de ver e sentir. 

O sublime, a veneração, a virilidade, o temor já não existem na natureza, temos de a olhar e ver de outra forma. Na vida comum há muita natureza e é preciso aprender a sentir essa natureza, disse-nos Catherine. A estética é uma forma de pensarmos e nos situarmos no mundo de forma diferente.  Mobilizarmos a imaginação que alimenta a arte tornou-se mais importante que nunca. Precisamos aproximarmo-nos da natureza e sermos um pouco como os povos indígenas que ainda sobrevivem e para quem a natureza não é objecto mas sim sujeito. A frase mais marcante de uma outra conferência em que participei, a 23.ª SBSTTA da Convenção sobre a Biodiversidade (Novembro de 2019, em Montreal), foi dita por uma representante do povo Inuit, do Ártico: 

«We respect the animals. We follow the animals, we follow the weather … we don’t try to control them», Utqiagvik Elder. 

Estarei novamente a afastar-me do tema? Não. Estética, arte e também natureza talvez sejam a mesma coisa. 

FC/12maio2022






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