sexta-feira, 3 de julho de 2015

A «ortonormia» do Eu



















Há certos dias da semana em que os meus eus se evadem de mim e se referenciam nos eixos do x, do y e do z , formados pelos dois espelhos do Ginásio. Fico sem defesas, frente a frente com o meu ego, de esguelha com o meu alter-ego, e numa proximidade estranha e simétrica com o meu terceiro eu. Todos eles seguem os meus movimentos de forma precisa, mas não sei se sou eu que os comando ou se sou apenas o resultado de um jogo matemático em referencial ortonormado. 

No outro dia, o ego piscou-me o olho antes de autorizar o eu mais de esguelha a mover-se livremente ao som da música, coisa que ele é perdidinho por fazer. Quando isso acontece, o alter-ego toma o comando e todos os meus eus se entregam à música mais do que ao consciente e racional movimento aeróbico que se pratica no ginásio. Eu acho que o ego gosta, por isso pisca o olho. Na verdade, não há eu em mim que não goste. Mas a aula não é de dança e rapidamente regressamos ao trabalho muscular. Os músculos agonistas e antagonistas combinam sinergias, os sinergistas e os fixadores estabilizam articulações e músculos e os tensores eliminam a tensão. O corpo redesenha-se ao som do nonagésimo segundo CD do Body-Pump. Um novo eu?

Eu olho de soslaio para o Professor e acompanho-o no movimento. Não sei para onde olha o meu terceiro eu, mas também acompanha o movimento, em simetria negativa. Acho que foi o terceiro eu o responsável pela lesão nos isquiotibiais. Estava a olhar para ele quando fiz a espargata. Poderá a fragmentação das fibras musculares significar uma fragmentação do eu? Em certa medida.

As simetrias são desafios interessantes porque quando me oriento por outro eu, o do Professor reflectido no espelho, não é imediato o lado que devo mexer. O reflexo das simetrias baralha-nos os lados direitos e esquerdos. Fica claro que ali não é o lugar da política e, no entanto, com a palavra surgindo aqui e ali nos intervalos da música, os corpos em uníssono e as vozes em contratempo, somos invadidos pelo sentimento de comunhão. Todos diferentes, todos iguais.

Afinal, talvez haja um pouco de política, comprovada pela felicidade colectiva que ali se partilha quando olhamos uns para os outros no reflexo dos espelhos (os eus e os alter-eus incluídos - o terceiro eu é uma exclusividade minha). O grande culpado é o Professor que não tem problemas em enfrentar o grande Aquiles. Tenho para mim que vai ganhar a batalha.      

Uma última nota: a palavra «ortonormia» não existe, são liberdades de um corpo suado que a tudo se atreve.



FC/2julho2015

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