Há certos dias da semana em
que os meus eus se evadem de mim e se referenciam nos eixos do x, do y e do z ,
formados pelos dois espelhos do Ginásio. Fico sem defesas, frente a frente com
o meu ego, de esguelha com o meu alter-ego, e numa proximidade estranha e
simétrica com o meu terceiro eu. Todos eles seguem os meus movimentos de forma
precisa, mas não sei se sou eu que os comando ou se sou apenas o resultado de
um jogo matemático em referencial ortonormado.
No outro dia, o ego piscou-me
o olho antes de autorizar o eu mais de esguelha a mover-se livremente ao som da
música, coisa que ele é perdidinho por fazer. Quando isso acontece, o alter-ego
toma o comando e todos os meus eus se entregam à música mais do que ao
consciente e racional movimento aeróbico que se pratica no ginásio. Eu acho que o ego gosta, por isso pisca o olho. Na verdade, não há eu em mim que não
goste. Mas a aula não é de dança e rapidamente regressamos ao trabalho
muscular. Os músculos agonistas e antagonistas combinam sinergias, os
sinergistas e os fixadores estabilizam articulações e músculos e os tensores
eliminam a tensão. O corpo redesenha-se ao som do nonagésimo segundo CD do
Body-Pump. Um novo eu?
Eu olho de soslaio para o Professor
e acompanho-o no movimento. Não sei para onde olha o meu terceiro eu, mas
também acompanha o movimento, em simetria negativa. Acho que foi o terceiro eu
o responsável pela lesão nos isquiotibiais. Estava a olhar para ele quando fiz
a espargata. Poderá a fragmentação das fibras musculares significar uma
fragmentação do eu? Em certa medida.
As simetrias são desafios
interessantes porque quando me oriento por outro eu, o do Professor reflectido
no espelho, não é imediato o lado que devo mexer. O reflexo das simetrias
baralha-nos os lados direitos e esquerdos. Fica claro que ali não é o lugar da
política e, no entanto, com a palavra surgindo aqui e ali nos intervalos da
música, os corpos em uníssono e as vozes em contratempo, somos invadidos pelo
sentimento de comunhão. Todos diferentes, todos iguais.
Afinal, talvez haja um pouco
de política, comprovada pela felicidade colectiva que ali se partilha quando
olhamos uns para os outros no reflexo dos espelhos (os eus e os alter-eus
incluídos - o terceiro eu é uma exclusividade minha). O grande culpado é o Professor
que não tem problemas em enfrentar o grande Aquiles. Tenho para mim que vai
ganhar a batalha.
Uma última nota: a palavra
«ortonormia» não existe, são liberdades de um corpo suado que a tudo se atreve.
FC/2julho2015
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