quinta-feira, 2 de julho de 2015

O país, a ilha e os lugares





















1.
Em cena a mais recente adaptação do clássico Moby Dik, muito aplaudida pelos grandes da praça mundial. Chama-se Moody’s Dick e conta a história da pequena jangada chamada Portugal. A história inicia-se com o cumprimento da profecia de Saramago em A Jangada de pedra, para depois seguir o enredo dramático de Herman Melville, o autor de Moby Dik.
A jangada Portugal, tal como o navio Pequod em Moby Dik, distancia-se do seu porto seguro (?), a velha Europa, e faz-se ao mar, por um período de três anos, com um objectivo - a caça à baleia. Esta actividade, em que somos especialistas, visa ganhar o dinheiro suficiente para podermos atracar novamente à Europa. As gorduras e o espermacete das baleias rendem o dinheiro necessário para reconstruir os alicerces da autofágica Europa, esclerosada pela ganância da velha Alemanha.  
Mas lá longe, depois de todo o oceano, está Moody’s Dick, gigante besta, de cor indeterminada, imoral e quase criminosa, que não esperou muito tempo para abanar a sua cauda e provocar uma espécie de tsunami sobre a pequena e fragilizada jangada. Espalhou o espermacete e inundou o convés de Portugal. Afogados no líquido da baleia, os tripulantes da jangada afogam-se, asfixiam-se, falta-lhes o ar. A Moody’s Dick, terror dos mares e das terras, especialmente as mediterrânicas, apareceu para matar.
Os velhos alicerces da Europa abanam. Portugal é puxado pelas correntes do desastre. Mesmo em direcção à boca gigante de Moody’s Dick, que anseia por lixo. LIXO, LIXO, LIXO. Moody’s Dick pretende engolir Portugal inteirinho e ficar a arrotar electricidade e água em privado.
Cumprida a profecia de Saramago, o autor português, cumprir-se-á a de Melville, o autor americano? Sobreviverão os portugueses à Moody’s americana?
2.
Não é conto de fadas, conto de encantamento, fábula ou lenda esta história que vos quero contar. É tão-somente uma dúvida que me invade sobre uma mala fechada de uma espécie de rei que indo nu, traja ricamente. 
O que terá a mala do Rei? Peúgas reais? Pois se ele traja ricamente… Tesouros imperiais do pequeno Arquipélago? Os medos do povo? As fragilidades de outros? O quê? O que terá a mala que ele escondeu com mil cuidados e que agora ostenta como se de um ceptro se tratasse. Em legítima defesa, segundo diz.
Uma mala e um rei. Que não se confunda com aquele outro rei, D. Pedro I do Brasil e IV de Portugal, de quem Eça de Queiroz falou, nas Farpas de Fevereiro de 1872. A inseparável mala do Príncipe Imperante de Eça acompanhava o dono sempre que este saía do Brasil. A mala era uma insígnia, um substituto do ceptro, um sinal de democracia, que trazia consigo quando se deslocava ao continente europeu. “Não me confundam com Ele, a Sua Majestade. Tratem-me por Pedro.”, dizia.  Perante o cerimonial europeu na recepção de tão elevada figura, D. Pedro empunhava a mala e, se necessário fosse, mostraria as chinelas de mouro. A mala significava que trazia na mão não o ceptro mas a sua própria bagagem, tal como todos os homens simples. Era um homem para o povo, um bom homem. A pequena mala estava vazia. Sua Majestade não a usava como bagagem, punha-a como disfarce, um símbolo. Não mais que isso. Ficou a lenda.
Agora o rei fanfarrão. Outra mala, outro rei. Que traz ele na mala? Não é uma mala vazia, o símbolo da simplicidade de D. Pedro. É, antes, uma mala com o Vazio. O Vazio colossal com que brindou todo o povo português. Um vazio incontinente que chega a todos. Este rei dos Atlânticos veste-se como Carmen Miranda para dançar com o povo e gosta de ostentar o charuto cubano quando discursa boçalidade. O rei vai nu mas traja ricamente. Da mala agora aberta não ficará a lenda.
3.
Iniciaram-se as Olimpíadas Verdes, uma competição entre lugares nunca vista anteriormente em Portugal. A competição olímpica decorre até 2012 e a corrida promete ser renhida. Serve para entreter os agitados mercados e, simultaneamente, organizar o território português. As regras do jogo foram publicadas no Documento Verde, nome assim atribuído pelo seu autor Relvas.
A dimensão política da corrida está afirmada pelo Memorando da Troika e pelas directrizes claras do Governo português, sendo a palavra de ordem: redução do número de freguesias e municípios. Resta ao poder local entrar na corrida pela não extinção, ou seja, cada uma das freguesias ou municípios alegar ser maior e melhor que a vizinha ou vizinho. Os vencedores terão como prémio administrar os lugares perdedores.
Os deuses gregos, desalojados por falta de pagamento da varanda celestial de onde habitualmente espreitam os Jogos Olímpicos, foram substituídos pela Santíssima Troika, juíza atenta à grande competição autárquica. Esta mudança de divindades faz suspeitar uma possível substituição da democracia, cujo berço se localiza precisamente na Antiga Grécia, pela ditadura económica, uma coisa do Novo Mundo.
As regras estão definidas. Que comece a corrida!

Fernanda Cunha/ 03Out2011
(Artigo publicado no jornal Costa a Costa, no dia 17 de Outubro de 2011)

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