quinta-feira, 2 de julho de 2015

"O osso da borboleta", de Rui Cardoso Martins





















O osso da borboleta, Rui Cardoso Martins, Tinta da China, 2014



A beleza é o tema principal do mais recente livro de Rui Cardoso Martins, O osso da borboleta. O autor parte da beleza como atributo feminino para chegar à beleza como atributo da humanidade, percorrendo um desconcertante caminho literário que não nos deixa indiferentes.

Num mundo pleno de fealdade, a beleza da personagem principal, a Purificação, tanto como a beleza da ex-companheira de Paulo, uma personagem que aparece de relance, está inevitavelmente associada a um jogo mais de azar do que de sorte, reflectido na imoral relação presa-predador (a moralidade não mora na natureza das coisas), quase sempre convidando a uma fornicação que morde porque tem dentes como os da lampreia. E quem não morde é mordido. São as leis da natureza (e a moralidade, já se disse, não mora na natureza das coisas). Vai-se a beleza, por inevitável envelhecimento ou por estranha fuga, e a vida inflecte sobre o passado. Para os náufragos de sofá e de sótão, “nada é tão imprevisível como o passado”. Um passado que se faz presente e lhes troca os tempos.

Num arrojamento ficcional despudorado, onde o passional é apenas interrompido (ou talvez fortalecido) por considerações sobre as coisas do mundo, por qualquer (des)propósito sempre reflectidas num ecossistema de sótão, Rui Cardoso Martins empurra-nos, sem nos dar fôlego, para uma outra dimensão da beleza, a beleza pública, revelada no final do último capítulo, nas últimas linhas do romance. Um simples gesto, talvez o mais simples de todos os gestos humanos, encerra o romance. O cumprimento da essência humana através desse simples gesto desarma-nos e faz-nos ganhar o mundo. Sairemos vivos desta fábula política porque, também aqui, a beleza foi servida fria.


Fernanda Cunha/janeiro2015

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