quinta-feira, 2 de julho de 2015

Garvão e Santa Luzia ao mundo












Muito obrigada pela oportunidade destas palavras que pretendo partilhar convosco, no dia em que se extinguem as duas assembleias de freguesia, Garvão e Santa Luzia, e se dá posse à nova Assembleia da União de Freguesias de Garvão e Santa Luzia.

Portugal é um país pequeno mas de grandes assimetrias geográficas, que resultaram em assimetrias sociais e económicas entre o norte, o sul, o litoral e o interior e que, até hoje, não soubemos anular. Apesar destas assimetrias, a organização administrativa portuguesa foi desenhada no sentido de igualar a participação política de norte a sul, contrariando o que, ao longo dos tempos, foram os poderes sobre o território, detidos pelos senhores feudais, pelas ordens religiosas e militares, numa época mais distante, ou controlados pela ditadura fascista numa época mais recente. Das antigas Províncias de Salazar, inspiradas nas Comarcas Reais e que caracterizavam o Portugal rural de então, progrediu-se para os Distritos, que eram unidades de controlo administrativo e político do Estado. Com a conquista da democracia em 1974, o poder local, através das câmaras municipais e das freguesias, é o garante da condição de igualdade política, portanto, um dos pilares da democracia.

Pela proximidade com o eleitorado, as assembleias de freguesia são, por excelência, o órgão mais democrático de todo o sistema político português, pois resultam directamente do voto do povo, com quem partilham o mesmo território, a mesma identidade, o mesmo sentido de lugar. As freguesias são, na verdade, a unidade do nosso sistema democrático.

Neste sentido, há quatro anos atrás, quando assumi as funções de presidente da Assembleia de Freguesia de Garvão, para mim eram claras as atribuições políticas das assembleias de freguesia. É meu entendimento que os seus objectivos foram cumpridos com zelo, assiduidade, pontualidade e respeito pelo direito à palavra, quer ao nível dos membros que a compunham quer ao nível da intervenção do público. Por esse motivo, é importante referir aqui o nome dos seus membros: Maria de Fátima Nobre Vilhena, Nuno Daniel dos Santos Simões, Susana Maria Alexandre, Dulce Silva Guerreiro, Reinaldo Pereira Soares, João Brás Adanjo e, quase no final, Ezequiel Guerreiro Cunha, em regime de substituição de um dos membros. E saudar a participação de todos os cidadãos que nela participaram.

Vivemos tempos estranhos, muito estranhos. Perante a grave situação económica e financeira que Portugal enfrentou nos últimos anos a resposta dos nossos políticos profissionais passa apenas pela via económica, esquecendo-se que os Estados não são propriamente empresas mas sim organizações políticas, que, no nosso caso, é também democrática. Contrariando a essência da democracia, os nossos governantes inverteram a fórmula: a economia deixou de estar ao serviço das pessoas para serem as pessoas a estar ao serviço da economia. O Estado Social passou a ser visto como uma despesa e o país está violentamente acorrentado à vontade exterior, à vontade dos mercados e da «troika». Portugal caminha perigosamente para o vazio político, cujo primeiro passo foi a extinção de parte das freguesias, o segundo passo será a reforma do Estado, e o terceiro poderá ser a própria Constituição da República (esse bicho mau).  

É neste contexto de vazio político, que é fácil anular as pessoas. O valor da escola, da saúde e do trabalho está a ser anulado. Os jovens emigram, os adultos desesperam e os idosos, ultimamente o suporte financeiro das suas famílias, são agora o alvo. Os idosos são vistos simplesmente como um obstáculo à economia, apelidados «peste grisalha» por um responsável político, sem que tenha havido consequências dessa ofensa.  
A questão das oito horas é significativa. Duas palavras num pequeno papel, que resumem a resistência à adversidade e a firmeza de gerações inteiras do século XX português, e que o povo alentejano tão bem conhece. Duas palavras que significam agora a preguiça portuguesa. Oito horas agora transformadas em 40 horas semanais/mínimo, significando não maior produtividade (porque não vem acompanhada de outras medidas) mas sim o encolhimento da esfera pública e esfera privada. A saber: o direito à família, ao lazer e aos amigos. O direito a viver e a pensar.

A mentira entrou na cena política. Não a mentira eleitoral, pois essa pende sobre o futuro e serve simplesmente para seduzir o eleitorado. Faz parte do jogo político de sedução. Falo na mentira sobre o presente, a realidade. Essa mentira faz lembrar a propaganda fascista, sempre preocupada em mostrar um país limpo, de gente obediente, pobre mas feliz. A mentira tem apenas uma intenção: branquear a realidade, anular as reacções.  

Portugal corre o risco de perder expressão política perante os seus parceiros. Já é evidente em relação à Europa, começa agora a ser uma evidência clara em relação a Angola, virá certamente, a sê-lo em relação à China e a todos os países que vierem a deter algum poder sobre os nossos serviços estruturais. Portugal e os portugueses não contaram para a discussão. O que pretendem, afinal, estes senhores? 

As assembleias locais são praticamente o único reduto do espaço político ao alcance da participação efectiva das populações. São, por isso, importantes focos de coesão das pessoas e, por consequência, da coesão nacional. A alteração da dimensão territorial das freguesias poderá ser a possibilidade de incluir, a este nível, temas transversais ao território português. Façamos da extinção das freguesias uma oportunidade. As novas assembleias, representantes do poder local, neste momento talvez os únicos verdadeiramente representantes do povo, deverão acender o rastilho que conduzirá àdinamite política capaz de inverter o caminho da autodestruição de Portugal e dos portugueses.

Lembrando as palavras fortes de Saramago: «Da terra não se levantam só as espigas, levantam-se também os homens».

As maiores felicidades à nova assembleia. Há muito trabalho pela frente, não se afoguem na burocracia. Representem o povo.

Muito obrigada,


Fernanda Cunha, presidente cessante da Assembleia de Freguesia de Garvão, 2009-23013

Sem comentários:

Enviar um comentário