quinta-feira, 2 de julho de 2015

O sucesso da “deslinguagem”





















A propósito de uma certa degradação da linguagem e da cultura, comentada com muita pertinência por Mário De Carvalho, por ocasião da entrega do Prémio Literário Fundação Inês de Castro 2013, acrescento-lhe um “ponto”. Há umas semanas atrás, dirigi uma carta, cuidadosamente escrita, à directora de uma certa entidade pública. A carta, merecedora de todos os meus cuidados, reflectia sobre a arte, levada à prática pela entidade em causa, e apelava à justa consideração de um caso particular. A resposta, pouco ponderada por urgente e estranha necessidade de encerrar o caso levantado, chegou dois dias depois, em formato ofício. Nos poucos parágrafos, descuidados e intencionalmente falseados, lia-se a ordem de fim de estágio, vinda “de cima”. O certificado do estagiário, repentinamente eliminado, foi emitido dias mais tarde. Continha uma informação mínima, mais que mínima, redigida num só parágrafo (como é costume nestes modelos), mas sem as vírgulas obrigatórias e sem a qualidade que o timbre do próprio certificado merece.

O sucesso da deslinguagem (neologismo que se impõe) e a sua correspondente limitação (ou desonestidade) intelectual, são crescentes nas actuais esferas política e social. A nulidade de conteúdo, de que enfermam estes fenómenos, esconde uma perigosa e eficaz discricionariedade, um perigoso e perverso poder. Sem mesura nem lisura, é fácil, muito fácil, ficarmos reduzidos (alguns nem isso) à “liberdade de pátio”, título do segundo conto do livro de Mário de Carvalho, cuja capa vem bastante a propósito. 



FC/março2014

Sem comentários:

Enviar um comentário